Autor: Klester Cavalcanti
Editora: Benvirá
Esse post é uma vitória pessoal e profissional. E to muito feliz de poder compartilhar isso com vocês. Li esse livro no começo do ano, em 4 dias, e amei. Preparei o post dia 29 de janeiro, mas antes de compartilhar, quis fazer algo diferente.
Entrei em contato com o autor do livro, Klester Cavalcanti, por facebook, e qual a minha surpresa que tive uma resposta super rápida. Minha ideia era bater um papo com ele sobre o livro e a experiência. E consegui um material tão grande que não acho justo deixar nada de fora.
Nossa conversa foi por telefone, a qual eu transcrevi na íntegra para o blog e cortei alguns trechos do áudio(pra quem tiver preguiça de ler tudo). Então esse post, alem da resenha habitual do livro, vocês podem acompanhar o que o autor nos contou sobre ele =)
Aproveitem!!!!!
Aproveitem!!!!!
RESENHA
Já falei aqui várias vezes sobre meu amor por livros
reportagens né. Mas esse ta entrando no top one.
Klester é um jornalista brasileiro, que queria mostrar a
situação real da Guerra Civil na Síria na cidade em que as tropas de Bashar
al-Assad duelavam diretamente contra os revolucionários que queriam derrubar o
governo ditatorial do presidente.
Ele conseguiu um visto de trabalho com a Embaixada Síria e
planejou a viagem para fazer uma reportagem para a IstoÉ. Ele também tinha
liberação para portar câmera fotográfica e filmadora.
Klester conheceu pela internet um casal de irmãos
brasileiros residentes em Beirute no Líbano e fez escala lá antes de seguir
viajem para Homs. Ele tentou entrar pela Síria pelo norte, indo por Trípoli.
Porem na imigração Síria ele foi barrado e teve que voltar para o Líbano. A
ministra Das Comunicações Sírias exigiu que Klester fosse por Damasco para
obter a liberação para ir para Homs. Ele não queria essa opção com medo de que
incumbissem algum soldado do governo para acompanha-lo e o impedisse de fazer a
reportagem. Mas como era a única alternativa após ter sido barrado no norte,
ele assim o fez.
Em Damasco parecia que a guerra era uma coisa distante a não
ser por alguns tanques de guerra perto de prédios do governo. Klester não
conseguiu nenhum meio de transporte até Homs a não ser ônibus. A rodoviária da
cidade parecia abandonada e muito limpa apesar do deserto. Depois de muito
insistir, ele conseguiu um taxista que o levasse ao epicentro da guerra, onde
ele se encontraria com seu contato em Homs.
No caminho, ele foi barrado por diversos postos de controle
policial do governo e em um deles foi apreendido. Com poucos membros do
exercito falando inglês, Klester não sabia porque estava sendo preso. Foi
levado para um prédio, e com uma arma apontada nas suas costas, teve certeza de
que iria morrer. Passou a noite sob custódia da policia, com seus pertences
confiscados. E a partir daí começa o drama.
Ele foi encaminhado para a prisão central de Homs, e ficou seis
dias encarcerado. Na prisão ele fez amigos que o ajudaram um pouco a superar a
decepção de estar preso sem motivo. O relato é fiel aos dias que ele passou na
cadeia e faz a gente quase sentir o cheiro e o gosto de tudo, o desespero de
ver as horas passarem sem nada pra fazer e a tristeza por não saber o que vai te
acontecer.
Durante todo o tempo em que eu estava lendo, fiquei imaginando
que essa guerra ainda destrói a Síria e como eu queria conhecer esse país tão
antigo e com tanta história em volta. Muitas vezes nós ficamos pensando e
querendo saber sobre as grandes guerras que o nosso mundo viveu como uma coisa
tão antiga e ultrapassada, mas guerra é uma realidade ainda na região do Oriente Médio e muitas vezes nem nos damos conta.
ENTREVISTA COM O AUTOR KLESTER CAVALCANTI
RL –O que de positivo e de negativo o livro te trouxe e qual o papel do jornalista nos relatos de guerra?
Klester – Em relação ao livro, eu acho que
assim, seria a experiência né. Obviamente lá quando tava tudo acontecendo, eu
fui preso, torturado, ameaçado de morte, colocado numa penitenciaria, numa cela
com mais de 20 presos, todos árabes muçulmanos eu era o único estrangeiro na
cela e o único não muçulmano, obviamente quanto tudo isso aconteceu, eu só sentia
agonia, tristeza, foi muito pesado né.
Quando eu fui
preso, quando me colocaram na penitenciaria começou a acontecer muita coisa
bacana né, fiz amigos lá dentro, os caras foram legais comigo me davam apoio.
Então essa parte positiva que eu sempre falo assim que foi uma experiência
humana muito rica, eu acho que a parte positiva conseguiu ser mais forte que a
negativa. Toda aquela angustia que eu passei lá, solidão, o desespero...Mas o
fato deu ter encontrado amizade, generosidade, respeito, carinho naquelas
circunstancias foi muito forte pra mim. Então o saldo é muito mais positivo.
Certamente graças as pessoas boas que eu conheci, que eu encontrei fora da
prisão e dentro da prisão também, a minha experiência foi muito menos
traumática do que poderia ter sido. Eu passei por tudo aquilo e não fiquei com
nenhum trauma né
RL – Teria coragem de voltar pra Síria?
Klester – Com certeza, eu quero voltar sim.
RL – Qual foi a sua motivação para
fazer essa reportagem na Síria?
Klester – Eu decidi ir porque, como jornalista
e como consumidor de informação eu ficava muito incomodado aqui no Brasil de
ficar recebendo matérias sobre a guerra da Síria simplesmente matérias
numéricas. Porque todas as matérias, sem exceção, que eu lia na imprensa
brasileira, eram apenas compradas de agencias, não tinha nenhum jornalista
brasileiro lá cobrindo a guerra, nenhum, e eram matérias compradas de agencias
só numéricas “Morreram 100 pessoas em Homs”, ai tinha uma declaração do governo
da Síria, uma declaração da ONU, ai daqui um ou dois dias mais “morreram mais
70 pessoas não sei aonde” governo fala,
a ONU fala e da na mesma. E eu ficava curioso de saber como ficam as pessoas,
curioso de ver. Ai eu comecei a pesquisar e eu vi, por exemplo, que a cidade da
Síria onde a guerra era mais intensa, a cidade de Homs, que é onde eu fui
preso, era uma cidade muito grande, antes da guerra Homs tinha quase 2 milhões
de habitantes, uma cidade do tamanho de Curitiba mais ou menos. Então isso
aguçou mais ainda meu interesse de ver como é esse clima de guerra, de
violência, de pavor numa cidade desse tamanho.
Tem gente que
pensa que Homs é um vilarejo, um povoado no meio do deserto. Não, é uma cidade
grande. Muito mais moderna e civilizada do que muitas capitais do Brasil. Com
transporte público eficiente, universidades modernas, tudo muito bem
estruturado. E ai eu queria ver né, como é que era pras pessoas viverem numa
cidade grande como essa no meio da guerra.
Como não tinha
ninguém do Brasil la pra mostrar eu falei “Cara, então eu vou né, vou tentar”.
Eu sempre digo que o que me motivou a ir para a Síria foi o interesse de
mostrar o lado humano da guerra.
RL – Nós aqui no Brasil fazemos uma
ideia muito errada do que acontece por lá, né?!
Klester – Com certeza. Até hoje, pra você ter
ideia, eu lancei esse livro há dois anos e meio, e ate hoje eu recebo quase
todos os dias e-mails ou mensagens no facebook de gente do Brasil todo que leu
o livro, dando os parabéns, dizendo que gostou, e muita gente fala uma coisa
que eu fico muito orgulhoso quando falam isso, muita gente fala que graças ao
meu livro, passou a ter outra visão do povo muçulmano. Porque muita gente acha
que muçulmano é tudo terrorista louco né. Ai no livro eles veem um brasileiro
cristão que ficou preso com um monte de muçulmano no meio da guerra e foi bem
tratado e respeitado, eles passam a ter outra visão.
A gente não
aceita a cultura a fé deles e não aceita que eles não aceitem a nossa.
RL – A falta de jornalista brasileiro
cobrindo a região é por medo dos jornalistas ou interesse do veículo em não
gastar com isso?
Klester – Gastar não é, ir para lá não é caro.
Eu fui eu sei quanto custa e a questão não é econômica. A questão não é
econômica e a questão não é falta de público porque o Brasil tem uma das
maiores comunidades árabe do mundo. Então pra mim eu acho que é só falta de
interesse e querer fazer né. Tem muito jornalista que não ta disposto a correr
o risco, porque isso é inegável, é arriscado. Quem vai fazer uma reportagem
dessa, se você for pros locais onde de fato a guerra acontece você vai correr
riscos. Dois meses antes deu chegar em Homs teve um ataque do governo da Síria que
matou, entre outras pessoas, uma jornalista americana e um fotografo francês. E
essa jornalista que morreu, ela era muito experiente, já tinha feito cobertura
de guerra em vários países do mundo e morreu lá em Homs, na mesma cidade onde
eu fui preso, ela morreu num ataque do governo. Então assim, se uma americana
experiente morreu em Homs, porque que eu não podia morrer também¿ Então eu fui
consciente de que isso poderia acontecer comigo. Mas por outro lado assim, eu
não sou casado, eu não tenho filho, se eu morrer acabou. Então certamente
jornalista que tem filho por exemplo, eu acho que não vão querer se colocar
nesse risco né. Talvez se eu tivesse filho eu não fosse, não sei. Eu acho que
tem muita coisa que contribui de tomar uma decisão dessa de ir ou não ir né e
tem essa coisa falsa que a tecnologia passa que é a ideia de que você consegue
fazer jornalismo a distancia. Não consegue cara, jornalismo só existe no local
dos fatos. A palavra repórter é muito claro isso, repórter é aquele que
reporta, você só reporta um fato se você estiver no local do fato. Eu acho ridículo
a gente ter um país com uma imprensa forte, grande e rica como a nossa e que
até hoje eu seja o único jornalista do país todo que tenha ido pra cidade da
Síria onde a guerra é mais pesada. Eu acho isso deprimente. A rede Globo tem um
cara que é tido como correspondente da Globo no Oriente Médio. Esse cara mora
em Jerusalém. De Jerusalém pra Damasco da uma hora, uma hora e pouco de voo,
esse cara nunca pisou na Síria desde que começou a guerra. A guerra fez quatro
anos agora e o correspondente da Globo no Oriente Médio nunca pisou na Síria
desde que começou a guerra e o mais feio é que esse cara faz matérias sobre a
guerra e ai ele engana a população, porque quem ta passando jornalismo, você vê
o credito fulano de tal de Jerusalém,
você sabe que o cara ta lá, na cabine dele seguro, mas a tua mãe a minha vizinha,
a minha tia, não tem essa leitura. Ela vai dizer, por exemplo, o Willian Bonner
chama a matéria “Hoje teve um ataque em Homs. Vamos ouvir nossa correspondente fulana de tal do Oriente Médio” ai
começa a aparecer imagens da guerra e no fim da matéria o cara aparece, e como
ele mora em Jerusalém ele aparece sempre na frente de um muro de pedra, uma
região de arquitetura islâmica, árabe e ai todo mundo que vê “A o cara ta na guerra” mas nunca pisou na Síria sabe. Isso é
vergonhoso, isso é muito feio sabe. Por exemplo o Fantástico faz matéria
especial sobre o Estado Islâmico, comprado de agencia, só que eles não fazem
isso deixando claro que é comprado de agência, eles fazem isso com o repórter deles
lá narrando e o cara aparece vez ou outra pra enganar o povo de que o cara ta
lá. É muito feio isso. E ai além disso a gente tem veículos muito grandes muito
ricos no Brasil e até hoje ninguém foi pro lugar da guerra mesmo, tipo a Veja,
a Época, a Folha de S.Paulo, Eu sinceramente acho muito vergonhoso isso da
imprensa brasileira.
Klester – Tem uma coisa que eu faço e que eu me
orgulho muito disso, e sei que até os estrangeiros não fazem tanto. Que é o
seguinte, no meu livro todos os nomes, sem exceção, são nomes reais, e isso pra
mim é uma questão muito forte de jornalismo de verdade, entendeu. Porque se
você usa daquele artificio, que eu sou totalmente contra, de “ah não, vou
trocar o nome pra proteger a fonte”. Quando você troca o nome de uma fonte,
você pode inventar qualquer coisa que você quiser que ninguém nunca vai poder
checar, porque você inventou a história, você não ta colocando o nome real, então
você pode inventar o que você quiser. Isso pra mim parece trabalho de faculdade
de jornalismo “Garotas de programas de luxo” ai o cara diz la a frase de uma
menina, Lucia P. que ganha 50 mil reais por mês, e todas elas são sempre
universitárias né, ela é universitária linda, deliciosa, maravilhosa,
inteligente, formada em Harvard mas é garota de programa e o nome dela ta
preservado. Ah faça o favor né. Pra mim jornalista que usa nome falso pra mim
ta nesse nível. E meus livros todos, sem exceção, eu uso nomes reais de todo
mundo. E é curioso porque hoje em dia, no facebook, tem um monte de gente que
eu falo no livro, que ta no facebook por exemplo. O vice cônsul do Brasil na
Síria que foi o cara que no fim do livro, ele foi o cara que me levou no carro
da embaixada de Damasco até Beirute, o João Alcântara, esse cara ta no meu
facebook. Aqueles dois irmãos brasileiros que me ajudaram em Beiture quando eu
cheguei, o Chadi e a Shadia estão no meu facebook. O mais interessante de tudo
que eu acho, quando eu sai da prisão me levaram pra Damasco e eu fiquei três dias
em Damasco no hotel sendo acompanhando por um funcionário do Ministério da
Informação, que foi aquele cara que me levou pra conhecer a Mesquita de Damasco
e o mercado publico. E tem um episodio que eu tava com esse cara no mercado
publico e eu parei pra comprar um negocio, ele sumiu eu achei que era uma
emboscada e fui correndo pro hotel sozinho. Esse cara chama Fadi Marufi ele é funcionário
do governo da Síria, portanto na teoria deveria ser meu inimigo, eu fui preso
pelo governo dele, fui denunciar o governo dele, e esse cara é meu amigo no
facebook. Então se qualquer pessoa quiser checar por exemplo, é verdade que você
se perdeu no mercado publico...o cara ta lá, você pode falar com ele. “É
verdade que o Klester ficou preso 6 dias¿” Você pode falar o que quiser, mas é
um fato, eu fui preso num sábado e fui solto na sexta-feira seguinte. Isso é
reconhecido pelo governo do Brasil e da Síria, porque a minha libertação foi negociada
entre os dois governos. Mas além do governo do Brasil admitir isso, tem um
cara, um ser humano, não é uma instituição, não é um governo, é uma pessoa
física que sabe da história e que trabalha no governo da Síria até hoje, e esse
cara ta no livro o nome dele, ele ta no meu facebook qualquer pessoa pode falar
com ele, pra mim isso é muito importante. Porque tem muito isso né, tem muito
cara que faz matéria denunciando coisas e poe nome falso né. Muito fácil quando
você denuncia, cara quando você denuncia e usa nome falso você não denunciou ninguém
né.
Klester – A minha ideia era ir pra relatar né,
como tava a vida das pessoas, só que ao ser
preso, eu passei a ser um deles. E
acabou sendo muito legal minha prisão pro livro essa história porque quando eu
fui pra lá eu não tinha ideia de fazer um livro, eu ia fazer só a matéria né. O
livro existiu porque eu fui preso e passei a ter uma história única, e ai uma
coisa muito legal é que na prisão eu conseguia aquele acesso aos personagens de
um jeito que eu nunca teria, solto na rua. Porque na rua, naquele clima de
pavor e de guerra, as pessoas não ficariam a vontade pra conversar com um
jornalista estrangeiro, com medo do governo. Na prisão não, na prisão ta todo
mundo preso mesmo, ninguém tinha pra onde ir. A gente tinha horas e horas pra
ficar conversar, os caras confiavam em mim pelo fato deu estar na mesma
situação que eles né.
RL – E como foi presenciar essa fé que
eles tem, mesmo diante dessa situação?
Klester – Isso foi muito bonito. Porque, eu sou
cristão, cristão se a gente é católico ou evangélico a gente reza ou ora quando
se bem entende. Você ta triste, ta com um problema, ta mal, aquilo você faz a
sua prece e ta tudo bem. Eles não, eles tem o horário certo pra parar pra fazer
a oração deles cinco vezes por dia. Isso, pra mim, é um pouco estranho porque
isso transforma um ato de fé em uma coisa mecânica, programada, você pode
naquele momento não estar disposto a fazer a oração, mas você tem que parar pra
fazer a oração. É que nem assim , você não estar com fome e ter que comer porque
é meio dia. “Não, eu não quero almoçar agora” mas tem que comer porque é meio
dia. Por outro lado eu achei isso também que me parecia estranho uma coisa
muito bonita. A disciplina deles e a seriedade com a qual eles encaram a fé. Os
caras tavam na prisão, vivendo aquele inferno, todos muito tristes, muito
angustiados e paravam cinco vezes por dia pra orar, entendeu? E teve uma hora
que eu orei la com eles, foi muito bacana, muito emocionante sabe, de que eles
tava deixando eu fazer a oração com eles sabe, mesmo sabendo que eu não era muçulmano.
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